#Persona20th — Persona 3 (PS2/PSP)

Se a arte é definida pela capacidade de despertar sentimentos, Persona 3 é uma obra prima


Shin Megami Tensei é uma série de JRPG única e, gostando ou não, esse é um fato consideravelmente inquestionável. Para cada fã que você perguntar o motivo, uma diferente história será contada. Mas, eu resumiria todas essas visões dadas em uma só: Sentimento.
JRPGs, por mais que tratem frequentemente de temáticas como traições, brigas por poder ou o próprio mal, têm em geral uma atmosfera positiva. No decorrer da história da maioria dos RPGs japoneses, reforça-se a ideia de que há esperanças, de que o esforço empreendido será recompensado (o esforço empregado no cansativo grinding não será em vão) e que tudo vai dar certo. É uma história tocante realmente, mas não é isso que ocorre em qualquer Shin Megami Tensei.

Persona e Shin Megami Tensei

O primeiro e quase sempre esquecido Persona.
 Apesar de Persona ser uma “subfranquia” da série Shin Megami Tensei, ambas sempre foram vendidas e anunciadas como coisas distintas, com jogos apresentando diferentes temas, e histórias próprias. Claro que também não fazia sentido separar e tornar Persona uma série completamente independente, dado não apenas o uso de motifs da série original, como também o sentimento que é passado pelo jogo.

Apesar de ser consideravelmente mais leve em Persona, a tensão herdada da série Shin Megami Tensei sempre foi bem evidente. Em todos os momentos você se sente à beira de um desastre e o jogo possui imensos e frequentes pontos de crise, onde tudo parece que pode dar errado ‒ e muitas vezes dá. Por mais que você encontre um final feliz, dificilmente ele será completamente feliz ou livre de qualquer sacrifício.; Esse sentimento de urgência sempre foi uma constante na série Persona, até o lançamento de Persona 3.

A melancolia evocada pela cor azul é uma marca registrada de Persona 3 até no filme.
Não estou dizendo que Persona 3 seja menos trágico, nem de longe. Mas, a intensidade adotada no jogo é um pouco diferente. O teor de urgência e tensão é substituído por uma melancolia e um peso únicos, criando uma atmosfera bastante rara em jogos. Tristeza é um sentimento difícil de vender, e parece ser ainda mais difícil em jogos. Basta observar a quantidade de reclamações sobre qualquer jogo com um final triste, já que o jogador sempre quer se sentir recompensado pelos seus esforços. É um compromisso firmado sem palavras entre o jogo e o jogador que diz algo como: “tome as decisões certas e tudo terminará bem”. Persona 3 não firma esse compromisso.

Mais perto de nós.

Com exceção da clara diferença na sensação de “vamos todos morrer” que a série Shin Megami Tensei apresenta, comparada com outras séries do gênero, outro diferencial interessante é a sua ambientação. Por mais que eventos fantásticos ocorram durante todo o jogo, é bastante peculiar ver JRPGs que se utilizam de cenários urbanos e contemporâneos. Embora não seja o único, ainda é uma raridade para o gênero.

Não finja que você não odeia o Junpei
Com boa parte da série apresentando colegiais, isso não foi diferente em Persona 3. Aliás, este foi um aspecto ainda mais evidente. Dentre as diversas características que tornaram o jogo um divisor de águas na série Persona, a divisão do jogo em dois segmentos distintos seja, talvez, a maior de todas. Além de poder explorar as dungeons, o jogador também vive a vida cotidiana do protagonista, fazendo amigos, marcando em encontros e até comparecendo às aulas e fazendo provas.

Fazendo jus ao nome

Apesar destes oferecerem os poucos momentos de alívio para a atmosfera pesada que o jogo oferece, há ainda alguns outros efeitos na experiência como um todo. O contraste entre a jogabilidade desses dois segmentos ajuda a tornar os momentos dramáticos ainda mais dramáticos, sem que eles se transformem em uma experiência enfadonha; além de trazer o drama das personagens para mais próximo de nós. Por mais dramático que seja ter o destino do mundo em suas mãos, como na maioria dos JRPGs, lidar com problemas pessoais, como dramas familiares ou relacionamentos, acaba se tornando um fardo ainda mais pesado para o jogador, pois estamos lidando com assuntos íntimos e mais próximos da nossa realidade.


Vale mencionar o cast inesquecível também
Outro aspecto dessa divisão de momentos é o conceito de viver uma vida dupla, de ter uma face para a sociedade e uma face mais “real.; Esse é um conceito já explorado na série Persona, mas que agora recebe um tratamento muito mais profundo graças à evolução no desenvolvimento de personagens no jogo.

Persona, na perspectiva da psicologia Junguiana, representa a face que as pessoas apresentam para a sociedade, podendo esta não necessariamente ser a verdadeira. Podemos perceber esse aspecto em cada personagem do jogo, das principais até as secundárias. Mais do que nos aprofundar nos andares de uma dungeon, nós acabamos nos aprofundando nas diversas camadas de cada personagem e passamos a enxergar além de suas máscaras. Isso se estabelece definitivamente como o grande foco do jogo e o diferencia crucialmente dos demais títulos de Shin Megami Tensei.

Um Legado

Shin Megami Tensei nunca teve medo de tocar em temas controversos, mas Persona 3 foi um passo além. Trocando a constante tensão por uma melancolia em um clima mais ameno, Persona 3 mostrou que não há limites para os sentimentos que um jogo pode oferecer. Abordando dramas psicológicos que vão além do “fim do mundo”, que vão desde relacionamentos proibidos até a aceitação da morte, Persona 3 mostra que não é necessário criar um conflito de proporções épicas para um grande envolvimento em um jogo.

Próxima semana: "Feitos um para o outro"
Não apenas muitas das lições que Persona 3 apresenta contribuíram para os jogos em sua totalidade, como também o título se tornou um ponto de virada em sua própria série, transformando-se em um padrão para a nova identidade de Persona e o ponto de partida para o próximo jogo da série, Persona 4. Jogo este que será abordado na próxima semana, no especial #Persona20th.

Revisão: Érika Honda



é formando em Sistemas e Mídias Digitais e atualmente redator no PlayStation Blast e também no Ivalice. Grande interessado em Game Design e nas áreas artísticas que envolvem os jogos, não é raro encontrá-lo falando disso no Facebook e no Alvanista.

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