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Análise: Digimon World: Next Order (PS4/Vita) passeia entre o saudosismo e a repetição

A franquia Digimon recebe seu mais novo jogo exclusivo da Sony, focado nos fãs da série e que precisa de tempo para ser apreciado.

A franquia Digimon World é muito lembrada pelo seu primeiro jogo, lá no PS1. Na época, as mecânicas de cuidar de seu Digimon no melhor estilo “tamagochi” agradavam bastante, principalmente, porque eram somadas às batalhas interessantes que chegavam a ser comparadas com jogos como Final Fantasy e Pokémon. Depois de diversos títulos lançados, a cada geração, ao longo de 17 anos de surgimento da franquia World, eis que chega até nós um novo capítulo da saga, Next Order.


O título traz de volta bastante coisa que vimos e curtimos no jogo original. Entretanto, problemas específicos que não deveriam estar mais presentes na nova geração de consolesaparecem aqui, o que pode desagradar alguns. Mas tudo ao seu tempo, vamos esmiuçar cada um dos pontos relevantes da nova aventura de monstrinhos digitais!

O bom e velho clichê

Digimon World: Next Order possui uma premissa bem rasa e previsível, mas isso não é exatamente o ponto negativo do jogo nesse quesito. Escolhendo entre os personagens Takuto e Shiki ao iniciar o game, o jogador retorna ao Digimundo após alguns anos desvinculado do mundo digital. Nesse período, ele perde a memória de suas lutas passadas e de seus companheiros. Entretanto, retorna para resolver um problema ligado à vários Machinedramon que surgiram para causa caos no digimundo.

Com isso, o digiescolhido passa por uma luta breve e é jogado em uma vila onde deverá cuidar e treinar dois Digimon para que estes o ajudem a salvar os dois mundos. Nessa jornada, ele encontra diversos Digimon ao longo da jogatina que resolvem ajudá-lo na cidade, aumentando seus recursos e possibilidades, além de tornar a aventura cada vez mais desafiadora.



Até aí, a premissa, mesmo sendo rasa e um tanto quanto clichê para a franquia, não tem problemas relevantes. Entretanto, é na forma como ela é passada ao jogador que os defeitos começam a aparecer. Como uma tendência japonesa muito forte, mesmo que o personagem principal já possua um nome próprio, ele não tem personalidade nenhuma e nem ao menos falas, o que incomoda bastante ao longo do jogo.

Além disso, os diálogos são cansativos  e se tornam rapidamente um peso durante a experiência de jogo, com áudios lentos e falas infantilizadas demais e repetitivas. Não fosse isso, talvez, a superficialidade do enredo nem fosse algo tão notável assim no jogo.


Ótimo visual, mas pouco detalhado

Outro ponto de divergência no jogo é a discrepância entre o visual dos personagens e o mundo no qual eles se encontram. Quanto aos personagens, estão ótimos e, no caso dos Digimon, bem fiéis à franquia, tanto em aparência como também em ataques e escala de tamanho. Entretanto, quando paramos para reparar no cenário do jogo, não acreditamos que ele foi lançado para o PS4 e o PSVita.

A falta de detalhes no cenário, quantidade de espaços vazios e pouquíssima quantidade de Digimon selvagens por área é deprimente. Este pode ser um dos piores mundos abertos da geração até agora, com setores simples demais e um nível de dificuldade não condizente com a exploração dos jogadores, desmotivando qualquer tentativa de desbravar o mundo por si só.



Ao menos, temos uma excelente trilha sonora, que dá um pouco mais de gás à aventura. Com mixagens de temas do jogo original e algumas produções próprias para esse (incluindo uma música de abertura bem legal), os efeitos sonoros e músicas do game tentam tapar o rombo que o visual deixou, uma pena que não conseguem.

Um jogo para cuidar de Digimon...

Ao contrário dos últimos títulos lançados para a franquia, Next Order não possui seu foco voltado às batalhas ou à exploração do simplório mapa do digimundo. Na verdade, como era no primeiro Digimon World, o foco aqui é em cuidar, educar e treinar seus monstrinhos digitais desde o nascimento até a morte, fazendo-os renascer e começando tudo de novo logo depois. Isso pode afastar alguns jogadores acostumados com a linearidade de outros títulos, mas aqui essa linearidade é cíclica e sempre trará surpresas em seu recomeço.

Ao escolher os dois digiovos para começar a sua jornada, você recebe a incrível variedade de 10 monstrinhos distintos que podem se transformar em vários outros ao longo de suas linhas evolutivas, o que torna a possibilidade de times bem variada. Porém, é preciso tomar cuidado, pois existem monstrinhos que compartilham evoluções e, se não treiná-los focando os atributos corretos, poderá ter dois Digimon iguais, mesmo que tenham vindo de bases evolutivas diferentes.



As mecânicas de cuidar dos Digimon são bem detalhadas, com encorajamentos e repreensões, ordens de descansar, alimentar, dormir e ir ao banheiro. Isso tudo traz um quê de nostalgia incrível para a experiência de jogo, que remonta ao início do anos 2000 com muito gosto. Somado a isso, as mecânicas de treinamento, mesmo que focadas basicamente em uma tela de stats, possui uma complexidade superior à dos cuidados e influencia diretamente a linha evolutiva de seus monstrinhos.

Paralelo a isso, o digiescolhido (ou Tamer) também possui sua própria árvore de habilidades e níveis, onde é possível personalizar a forma de treinar e educar os Digimon com uma extensa variedade de habilidades e bônus. Não é surpresa que os jogadores passem um bom tempo nas telas de habilidade de Tamers e treinamento de Digimon para que possam construir o time ideal para vencer qualquer ameaça.


… mas também um jogo para batalhar!

Mesmo que o foco do jogo seja cuidar dos monstrinhos e fazê-los crescer da melhor maneira possível, um elemento que ganhou modificações consideráveis em Next Order foi o sistema de batalhas. Bem diferente dos jogos anteriores, o sistema de batalha aqui mescla uma movimentação automática por parte dos Digimon com ordens e comandos de ataque executados em horas específicas pelo Tamer. 

Essa dinâmica de combate, mesmo que um pouco diferente da tendência que vemos no mundo do games em geral, agrada bastante, pois traz a sensação de ser realmente um Tamer dando ordens e encorajando seus Digimon em batalha, enquanto eles fazem todo o “trabalho duro”. Atenção redobrada para a hora certa de executar cada ordem e a necessidade de sempre encorajar os monstrinhos para ganhar mais energia para habilidades são os requisitos para conseguir um desempenho melhor durante os combates..



O único pecado do jogo durante as lutas é a pouca variedade de golpes diferentes para cada Digimon. Com três habilidades desbloqueáveis e, mesmo assim, necessitando de muito treinamento e tempo de jogo para liberar as duas extras, os combates podem se tornar um tanto repetitivos com o tempo, fazendo a experiência se tornar massante.

Muita informação em tutoriais mal desenvolvidos

Outro ponto que merece crítica no jogo são seus tutoriais. Aqui, o didatismo se torna estressante e cansativo, pois o passo a passo do ensinamento de game é tão lento que faz o jogador querer terminá-lo o quanto antes, ao invés de convidá-lo a entender todo o sistema interessantíssimo de criação de Digimon nele existente.

Ao mesmo tempo, os tutoriais não ensinam com exata precisão sobre como utilizar diversas mecânicas tais como a das informações adquiridas sobre a linha evolutiva de cada Digimon, o uso dos itens, desde o curativo para estancar machucados constantes até as barras de obediência e felicidade presentes em cada monstrinho. Para aprender tudo isso e mais um pouco, prepare-se para tirar um tempo (de meia hora a quarenta minutos) para ficar lendo textos de diálogo feitos com um dos Digimon bebê na cidade, o que, a título de enredo, não faz sentido algum.


Afinal, vale a pena voltar ao Digimundo?

A pergunta que deve ser feita aqui é na verdade “o quão fã de Digimon você é?”. O fato é que a forma como Next Order utiliza a franquia dos monstrinhos digitais é muito focada em um público bem restrito que é fã de mecânicas no melhor estilo Tamagochi e também àqueles que possuem apreço por Digimon pouco conhecidos na série, como Veedramon e as variações negras dos Digimon conhecidos. 

Caso você já tenha explorado bastante o jogo Digimon Masters Online (PC) ou tenha jogado o Digimon World original lá no PS1, é bem mais provável que irá curtir tanto a mecânica quanto os personagens desse jogo. Entretanto, caso você seja um admirador mais leve da franquia, talvez, a experiência de jogar Digimon World: Next Order seja um pouco decepcionante. 



Por fim, não podemos ver isso como um ponto positivo, pois, ao tentar trazer de volta a experiência que ficou famosa no primeiro console da Sony, a Bandai Namco acabou repetindo em 2017 uma experiência semelhante demais com jogos dos anos 2000, sem avanços técnicos e práticos que mostrem uma evolução da franquia nesses 17 anos. 

Mas, caso você seja um fã mais assíduo da franquia e se interesse em sobreviver à primeira dezena de horas de extensos tutoriais e um primeiro capítulo longo demais, você pode encontrar aqui uma ótima forma de repetir a experiência dos anos 2000 em um console mais atual. Seja bom ou ruim, a sensação de nostalgia foi um dos melhores e mais bem-vindos acertos de Next Order, uma pena que seja um dos poucos.


Prós

  • Visual de personagens e Digimon fiéis à franquia;
  • Grande árvore de habilidades aumenta dinamicidade;
  • Ótima estruturação das mecânicas de cuidador;
  • Sistema de batalha interessante;
  • Nostalgia e saudosismo funcionam;
  • Grande variedade de Digimon e linhas evolutivas;
  • Formato cíclico renova a experiência de jogo.

Contras

  • Tutoriais extensos que não cumprem seu objetivo;
  • Protagonista sem personalidade própria;
  • Diálogos cansativos e repetitivos;
  • Enredo genérico mal adaptado para o jogo;
  • Jogo de público muito específico.
Digimon World: Next Order — PS4/PSVita — Nota: 7
Versão utilizada para análise: PS4
Revisão: Jaime Ninice

é Psicólogo e Mestrando em Comunicação pela UFJF. Está no Blast desde 2014, onde é Redator e Diretor. Começou sua vida gamer bem cedo no NES e hoje divide seu tempo entre games antigos e novos. Pode ser visto por aqui sempre escrevendo algum texto polêmico, instrutivo ou nostálgico. Geralmente é visto em alguma discussão no Facebook ou no Twitter.

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