Crônica

Bloodborne (PS4): experiências de um jogador novato

O novo jogo da From Software é impiedoso, mas também evoca sentimentos distintos e marcantes.


A internet gamer não fala de outra coisa desde o fim de março: Bloodborne. O novo jogo da From Software para PlayStation 4 é uma espécie de sucessor espiritual da série Souls e tem conquistado inúmeros jogadores. Eu, particularmente, não tinha interesse pelo jogo por conta da fama da dificuldade (supostamente) meio injusta da série Souls — vi, no máximo, um vídeo dele. Mas o destino levou o jogo para o meu console, dei uma chance e me surpreendi imensamente com tudo.

Introdução dramática

Minha aventura pelo mundo de Bloodborne começou com uma ótima animação em CG, que mostra um caçador derrotando monstros na sombria cidade de Yharnam. Em seguida foi a hora de montar meu personagem, mas não foi muito prazeroso: quanto mais eu mexia nas características físicas do herói, mais estranha ficava a aparência dele. Não me esforcei muito, afinal o rosto do caçador fica escondido praticamente por toda a aventura.

Depois disso, meu herói acordou em uma clínica médica e comecei a explorar o local. Logo em uma das primeiras salas, um lobo gigante me esperava. Como estava sem armas, corri do bicho e saí pra cidade. Péssima escolha: muitas outras criaturas me esperavam. Não durei muito tempo e logo morri… para renascer no Sonho Do Caçador, uma espécie de refúgio dos heróis. Lá eu finalmente peguei algumas armas — escolhi um bastão que pode ser transformado um espécie de chicote e uma pistola — e voltei para Yharnam.

Um mundo desconhecido

A minha primeira sensação ao começar a explorar a cidade foi de desorientação. Ao contrário de jogos modernos que te indicam os objetivos com os mínimos detalhes, em Bloodborne você é jogado na ação sem orientação alguma. Comecei a andar aleatoriamente pelo cenário, tentando entender o que estava acontecendo. A história também não é explicitada, mas fiquei o tempo todo me questionando qual era exatamente o objetivo desse caçador e por qual motivo existiam tantas bestas nesse lugar.

Contudo, pouco a pouco, a desorientação deu lugar ao deslumbre por conta de vários motivos. O primeiro deles é a arquitetura gótica e sombria do local. É um mundo que pede para ser explorado e fiz isso: gostei muito de encontrar vielas e caminhos escondidos, segredos e detalhes da trama estão espalhados por todos os cantos. O design de Yharnam é inteligente e orgânico e eu me sentia explorando uma grande e complexa cidade — todos os caminhos são muito bem pensados. Em um primeiro momento eu fiquei meio perdido por conta da ausência de mapas, mas rapidamente eu me familiarizei com o local. Também passo muito tempo trocando informações com outros colegas que estão jogando, é divertido aprender com eles.

Morte seguida de morte

Bloodborne, assim como os outros jogos da série Souls, é conhecido por ser difícil e brutal — senti fortemente essa característica. Explorar Yharnam não é tarefa simples, pois o lugar está infestado de inimigos e bastam poucos ataques para ser derrotado. Ao morrer, você perde todos seus Ecos de Sangue (a moeda do jogo, que serve tanto para comprar itens quanto para melhorar atributos), por mais que é possível voltar no local da morte e recuperá-los. Nem preciso dizer que morri várias e várias vezes.

O combate, em um primeiro momento, eu achei bem simples (afinal são poucos comandos disponíveis), mas rapidamente percebi que ele é muito complexo. O caçador tem a disposição uma arma branca e uma arma de fogo, cada qual com caraterísticas e usos únicos. Eu, por exemplo, escolhi como arma inicial um bastão que se transforma em um chicote. No início eu só usava o modo bastão por ser mais forte, mas depois descobri a importância de usar também o modo chicote: mesmo com poder um pouco reduzido, seus ataques têm maior alcance. Pouco a pouco aprendi a alternar entre os modos e a identificar qual o momento certo para usar cada variação. Já as armas de fogo são bem fracas, mas conseguem interromper investidas inimigas, deixando os monstros completamente vulneráveis — mas usar esse recurso no momento errado é fatal.

O que eu achei interessante é que a dificuldade não é injusta. Bloodborne exige um misto de furtividade com agressividade. Foram inúmeras as vezes que fui surpreendido com inimigos meio que escondidos, só me esperando para me matar. Sendo assim, aprendi a sempre tomar cuidado nas minhas explorações. Mas no momento do combate o que vale é ser agressivo: aprendi que o melhor é sempre atacar com rapidez e precisão, ao invés de ficar mais na defensiva. Enfrentar mais de um inimigo, na maioria das vezes, é algo que pode significar morte certa. Sendo assim, aprendi a separar os grupos de inimigos, diminuindo o risco de ser derrotado.

Uma torrente de emoções

Bloodborne é repleto de qualidades, mas o que mais gostei no jogo foram as emoções que ele me fez sentir. A primeira delas é a tensão: sou cuidadoso ao explorar Yharnam, mas na maioria das vezes eu me sentia apreensivo. Eu tinha medo de ser atacado e perder todos os meus Ecos de Sangue conquistados com muito esforço. Muitas vezes eu levei sustos com ataques inesperados, em um misto de medo e assombro. Mas, mesmo morrendo, eu não perdia a vontade de continuar jogando.

A segunda emoção é a frustração. Depois de jogar Etrian Odyssey IV (3DS), eu me acostumei atítulos difíceis, mas Bloodborne pode ser bem frustrante em alguns momentos. É um pouco chato você avançar muito e ser derrotado por um inimigo comum por conta de algum descuido — a chateação é intensificada pelas longas telas de carregamento. Contudo, eu nunca desistia: seja pelas mensagens encorajadoras dos outros jogadores que aparecem ao se jogar online, seja pela vontade de me superar e ir além, seja pela curiosidade de saber o que tem atrás daquela porta ou daquele corredor. Nesse caso, acredito que a frustração é algo bom.
"Morreu" é a palavra que mais aparece no jogo

Superando desafios

Por fim, a melhor emoção que Bloodborne me fez sentir foi a sensação de triunfo ao superar desafios. Os chefes desse jogo são muito difíceis e eu já perdi a conta de quantas vezes eu fui derrotado por eles. O mais curioso é que melhorar as características do herói ajudam muito pouco — o que define a vitória é a estratégia e perseverança.

Eu tive muitos problemas com um dos primeiros chefes, uma criatura horrível chamada Besta Sedenta de Sangue. Montei estratégias, guardei itens, estudei seus ataques… mas nada de derrotar o monstro, fiquei por volta de três dias tentando derrotá-lo. A batalha é muito intensa: o chefe tem ataques que podem te matar instantaneamente, ele lança veneno que drena a energia do caçador continuamente e ainda por cima é muito feio e grotesco — tudo isso ao som de uma excelente, porém tensa, música. Depois de muito custo, eu consegui derrotar a Besta Sedenta de Sangue. Lembro perfeitamente de cada detalhe da luta, de cada esquiva e de cada ataque, das minhas mãos suando e da forte tensão. Quando a criatura finalmente caiu, eu me senti extremamente triunfante — eu teria soltado fogos de artifício se eu tivesse alguns naquele momento. Não me lembro de nenhum outro jogo que me fez sentir assim.


Uma aventura inesquecível

Agora consigo entender perfeitamente o motivo de Bloodborne ser tão aclamado. O jogo é belo, tem um universo interessante e o design da aventura é inteligente — tudo isso amarrado pelo combate complexo e repleto de possibilidades. Mas para mim a melhor característica do título são as várias emoções que ele evoca: tensão, deslumbre, triunfo. Mesmo com a morte frequente e a frustração, Bloodborne é uma experiência memorável. Não sei se vou conseguir terminar o jogo, mas minha única certeza é que ainda morrerrei muito tentando desvendar os mistérios de Yharnam.

Capa: Farley Santos

é brasiliense e gosta de explorar games obscuros e pouco conhecidos. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de boardgames, game music, fotografia e livros. Além de mostrar seus cliques no Flickr, tem também um blog onde escreve sobre inúmeros assuntos e também pode ser encontrado no Twitter.

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