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Análise: Dragon Quest Builders (PS4/PS Vita) é aventura e criação

Jogo de construção da série Dragon Quest é simpático, competente e divertido.

Toda vez que eu ouço o tema principal de Dragon Quest, eu me emociono, dependendo da situação eu chego até a ficar com os olhos lacrimejados. Essa sensação é um pouco estranha, já que sou muito mais íntimo de Final Fantasy, por exemplo, e não costumo me alterar quando ouço o tema da franquia. Talvez a diferença seja que Dragon Quest te chama para a aventura, e a música traduz isso tão bem que uma reação afetiva acontece em mim quando a ouço. Não uma aventura qualquer, mas uma que tem a incrível tendência de ser extremamente simpática, mesmo quando é um tanto simples.


Compare o enredo de Dragon Quest VIII e Final Fantasy XII, dois jogos lançados com pouca diferença de tempo. Enquanto no último vemos uma complexa trama envolvendo nações e facções, no primeiro guiamos um grupo pequeno em busca da cura para uma maldição (e depois vencer quem amaldiçoou). Os dois jogos se ancoram muito na viagem e nos lugares que passamos, mas DQ VIII me parece muito mais uma grande jornada aventureira. Essa é uma impressão que tenho de toda a série.

Dragon Quest Builders pode não parecer muito próximo de um DQ usual, mas a sensação de aventura o acompanha a todo momento. É necessário explorar os diversos cantos do mapa, descobrir e enfrentar inimigos, dominar os recursos da região e construir sua vila. É uma maneira diferente de se aventurar e enfrentar o Dragonlord, e uma interessante e surpreendentemente divertida.
Minha primeira cidade.
Antes de continuar, deixa eu desconstruir o elefante branco que está por aqui. Eu nunca joguei Minecraft, não por qualquer tipo de aversão ou desinteresse nas mecânicas do jogo, já que elas, inclusive, me instigam bastante, mas mais pelo fato de que não havia um interesse temático da minha parte que me fizesse gastar tanto tempo para construir cidades, dungeons e castelos. Com Dragon Quest Builders a coisa muda (e muito) de figura.

O simpático visual da franquia é um dos pontos altos de Builders, não apenas os personagens e as coisas que podemos construir tem um apelo forte, como também todos os monstros e npcs que encontramos pelo caminho. Ao lado disso caminha a bela trilha sonora da série, com suas melodias que acompanham momentos alegres e tensos. É um diferencial grande para os fãs da série, já que sempre há algo familiar (seja o visual ou a música) nos acompanhando enquanto gastamos horas criando e construindo.
Já na terceira resolvi criar um tipo de pirâmide.
Mas também muda de figura na medida em que não traz tantas possibilidades quanto Minecraft. Acredito que são jogos suficientemente distintos. O lado bom é que Builders sabe trabalhar bem com sua “limitação”, tanto nos capítulos do modo história quanto na Terra Incognita, seu modo livre (no qual é possível trazer criações de outros jogadores para seu mundo, e vice-versa).

As aspas da limitação no parágrafo anterior se dão muito mais na comparação do que em como o jogo se sai por si mesmo. Os diferentes materiais e coisas que podemos construir são bastante diversos, e eu raramente senti que não podia construir cidades interessantes com o que tinha à disposição. Nos capítulos da história algumas coisas tendem a ser mais direcionadas, já que temos um limite de espaço e os habitantes da cidade que estamos reconstruindo nos fazem pedidos, mas existe uma certa liberdade em como realizá-los.

As missões e planos de construção (blueprints) vão servindo como uma espécie de tutorial, mas ao longo do capítulo e, principalmente, do modo Terra Incognita, podemos construir muita coisa como bem entendermos. Gostei bastante de criar as cidades, do visual dos itens e das possibilidades de construção. É fácil perder horas querendo dar uma identidade visual para sua vila, e tantas outras querendo recriar cidades icônicas dos jogos no modo livre. É realmente gostoso planejar e dar vida às suas criações enquanto cuidamos apenas da nossa fome (é preciso comer no jogo, e os alimentos podem ser coletados ou construídos), nossa cidade e seus habitantes.

Quando falo em aventura na série Dragon Quest, penso em como é importante conhecer cada canto, e Builders traz isso de uma forma bem bacana. É preciso explorar e desbravar a região em que estamos para conseguirmos os itens necessários para criar novos equipamentos e utilitários. Também é a partir da exploração que conseguimos equipamentos que facilitam a aventura, como botas que negam o dano em quedas e sementes que aumentam o HP. Há também um aspecto narrativo na exploração, que comentarei depois.


Chegar em uma caverna cheia de minerais, ou então encontrar um lugar bonito diferente (alguns com brincadeiras com os elementos da série), quem sabe achar uma construção abandonada e cheia de segredos. Toda nova ilha que se abre está disponível para você logo de cara, basta fazer um bom estoque de equipamentos e comida e explorar o quanto quiser. Claro que esses lugares, eventualmente, são palco de alguma parte da missão, ou pelo menos dos desafios de cada capítulo, mas é bacana a liberdade que temos no ritmo da exploração e das batalhas.

Cada capítulo traz uma nova região, e cada região possui sua própria flora e fauna, com diferentes inimigos. E não apenas eles são diferentes visualmente, mas muitas vezes atacam de forma distinta. Não com uma variedade incrível, mas existe sim distinção entre as investidas dos inimigos. Enquanto uns tipos atacam de longe, outros correm em sua direção, existem aqueles que giram para atacar em área, enquanto outros atacam com múltiplos projéteis.


O combate funciona bem, ainda que em alguns momentos seja difícil encaixar um golpe, principalmente quando ainda estamos nos acostumando ao ritmo do inimigo. O interessante é que podemos usar a parte de construção do jogo para contornar isso. É possível criar um espaço aéreo para matar o inimigo do alto sem ele nos encostar. Em qualquer outro jogo isso seria uma trapaça, mas não em algo que tem “Builders” no nome. Além disso, podemos criar bombas e canhões para maximizar a quantidade de inimigos vencidos e recursos capturados.

A mudança de inimigos e de recursos em uma área é essencial para que o jogo tenha uma progressão interessante, já que a cada novo capítulo perdemos todos os nossos itens e equipamentos. Fosse tudo muito semelhante, a primeira metade de cada capítulo seria muito repetitiva e maçante.

Existe ainda algo que me surpreendeu: a forma como o enredo é levado. O primeiro capítulo traz uma base bem simples e simpática, acordamos em um local estranho e recebemos a missão de reconstruir o mundo que foi destruído pelo Dragonlord. Para isso precisamos refazer as cidades e conseguir trazer de volta seus habitantes, realizar um tanto de missões e tarefas para então enfrentar o inimigo maior do local e acabar com a influência do Dragonlord no local.


A história sempre vai se desdobrando nos mesmos passos, inclusive cada capítulo possui a mesma estrutura: chegamos na cidade, fazemos algumas missões, defendemos a cidade de uma onda de inimigos, recebemos o portal azul, vamos à uma nova ilha e conseguimos mais recursos para realizar mais missões, defendemos a cidade e uma nova onda, recebemos um portal verde, vamos à ilha nova e conseguimos mais recursos e realizamos mais missões, defendemos a cidade novamente, recebemos um portal vermelho, vamos à última ilha da região e fazemos as últimas missões, vencemos uma série de defesas e, por fim, enfrentamos o monstro chefe do local.

Isso tinha tudo para ser repetitivo, mas a forma como a narrativa é conduzida nos capítulos faz com que cada um deles tenha seu próprio jeito. No segundo capítulo, por exemplo, precisamos curar as pessoas que chegam doentes na nossa vila, e isso se relaciona diretamente com os recursos da região e com a exploração que vamos realizar. Existem surpresas e momentos interessantes na história de cada cidade/capítulo.


Também podemos encontrar anotações, placas e livros pelas regiões que contam um pouquinho da história do lugar, além, é claro, de construções destruídas e locais que fazem parte do enredo. E ainda assim, no quadro geral a coisa é bem simples e simpática, já que somos os herdeiros do herói Erdrick (inclusive o nome default do personagem é Bildrick) e precisamos livrar o mundo do Dragonlord.
A segunda cidade ainda é a menina dos meus olhos.
Para irmos retirando a influência maligna da região, eventualmente temos que enfrentar um grande inimigo do local. São as últimas batalhas do capítulo, e foram as coisas mais divisivas na minha experiência com o jogo. Se por um lado elas trazem boas ideias, diretamente ligadas com o que fizemos de novo no capítulo, por outro as lutas acabam sendo chatas na prática, com muita repetição e, inclusive, punindo o jogador que tenha criado uma cidade mais complexa.

Explicando melhor, no segundo confronto, contra o Hades Condor, eu precisava correr rapidamente para as minhas balistas, mas como minha cidade era bem grande, cheia de escadarias e corredores, acabava sendo um tanto complicado ir logo até o local necessário. Acredito que isso seria melhor contornado com menos repetição das ações necessárias, ou pelo menos abrindo a chance de enfrentar o chefe de uma maneira mais livre.

Dragon Quest Builders, mesmo com alguns aspectos problemáticos, é um sólido game de construção e exploração. Aventurar-se para desbravar um ambiente, dominá-lo e construir sua cidade enquanto conhece um simpático e bem conduzido enredo é uma tarefa agradável. Uma nova forma de conhecer e jogar Dragon Quest, deixando um pouco de lado o papel de visitante de vilas e cidades, e assumindo o papel de “village elder”, imaginando ou recriando suas cidades favoritas dos RPGs. Mesmo com as diferenças, Builders é sobre criação e exploração, e sobre como construir e reconstruir um mundo de fantasia pode ser a mais interessante das aventuras.

Prós

  • Boas ferramentas e possibilidades de construção;
  • Enredo simples, mas interessante e bem conduzido;
  • Diferenças entre capítulos fazem o modo história ser fluído;
  • Terra Incognita, modo livre no qual você pode compartilhar suas criações;
  • Sistema de batalha funcional, ainda que com alguns problemas, e tentativa de criar diferenças nos confrontos.

Contras

  • Ainda que com boas ideias, alguns confrontos são maçantes e frustrantes.
Dragon Quest Builders — PS4/PS Vita — Nota: 8.5
Plataforma utilizada para análise: PS4
Revisão: Arthur Maia 

é um homem sem qualidades. Para se esquecer das décadas de fracassos de sua vida real, resolveu passar parte do seu dia jogando. Iniciado nos games por Adventures e JRPGs, hoje em dia joga de tudo. Gosta muito de escrever sobre jogos, mas só dá nota 10 para games em que você pode dar Suplex em um trem.

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