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Análise: Severed (Vita) é um comentário sobre como lidar com a perda

O que pode ser o último jogo exclusivo do PlayStation Vita conta uma história envolvente através de um mundo sombrio e ação frenética para seus dedos.


Outro dia, um colega me viu usando meu Vita e me pediu para descrever o jogo que estava em tela. Pois bem. Comece pegando o gameplay básico de Infinity Blade (iOS), deslizando o dedo pela tela de toque para dar golpes de espada. Adicione características do combate de The Legend of Zelda: Skyward Sword (Wii), onde o ângulo e tempo dos golpes são essenciais para ataques eficazes. Incremente ainda uma pitada de Metal Gear Rising: Revengeance (Multi), no qual partes dos corpos do inimigo são usadas para aumentar o poder do protagonista. Finalize com um mapa em forma de labirinto, uma direção artística diretamente descendente de Guacamelee! (Multi) e uma história simples, mas emocionante, sobre como lidar com a morte. O resultado é Severed (Vita), da desenvolvedora DrinkBox.

Sinceramente, eu provavelmente nem teria percebido a existência de Severed se não fosse pelo nome da DrinkBox associado a ele. Eu acredito no "pedigree" de certas desenvolvedoras; ou seja, se uma equipe criou um jogo que eu realmente gostei, as chances são boas de que eu também curtirei seu próximo projeto. A confiança na DrinkBox foi tal que nem sequer li a respeito de Severed antes de seu lançamento, aguardando por uma surpresa que provavelmente seria agradável. Na minha cabeça, o próximo jogo da DrinkBox provavelmente seria de plataforma com uma estética descontraída, assim como seus precursores Tales From Space: Mutant Blobs Attack (PS3/Vita) e Guacamelee!, então sem dúvida fui surpreendido por Severed.

A morte faz parte da vida

Em meio a tantos jogos independentes que joguei nos últimos anos, Guacamelee! tem uma posição de destaque em minha memória, graças à magnífica interseção entre metroidvania e beat-'em-up. Contudo, por baixo da exploração, da pancadaria e das paródias mexicanas de videogames, o jogo de Juan, Calaca e Tostada tinha uma mensagem interessante sobre o significado da morte. O mundo dos mortos não era necessariamente triste e sombrio — em muitos casos, era mais alegre e empolgante que o dos vivos. Afinal, os mortos se livraram de todas suas preocupações, então podem finalmente se divertir!  Não me surpreendi ao descobrir que um dos artistas da DrinkBox, Augusto "Cuxo" Quijano, é de fato mexicano e permitiu que a cultura de seu país cercando o conceito de morte permeasse o jogo.

Também foi de Quijano a ideia principal por trás de Severed. Enquanto em Guacamelee! o assunto de morte era lidado de forma cômica, desta vez não há espaço para piadas. Sasha, nossa protagonista, vive num mundo sombrio e destruído, repleto de monstros hostis. Pouco contexto é dado quando o jogo começa: só se sabe que Sasha perdeu um braço e sua família desapareceu, então ela deve enfrentar o mundo para encontrá-los.



Então o jogo progride com Sasha explorando um mapa em forma de labirinto sob uma perspectiva de primeira pessoa. Criaturas são enfrentadas, habilidades e poderes são adquiridos. Tudo isso para encontrar seu irmão, seu pai e sua mãe. Durante a aventura são encontradas outras personagens que, apesar de inicialmente parecerem hostis, na verdade habitam aquele mundo cumprindo papéis específicos. Nesse mundo não existem vilões: existe Sasha, existe seu objetivo e existem obstáculos que devem ser superados para atingi-lo. O tom é sombrio o suficiente para que eu teria sido repelido pelo mundo se ele não demonstrasse, implicitamente, que aquele não seria um jogo de terror.

Durante toda a jornada, um tom de mistério prevalece. Nada sobre aquele mundo é explicado diretamente, e isso aumenta vontade de conhecê-lo. Pode ser que toda a história não passe de um pesadelo. Pode ser que o mundo seja uma espécie de purgatório e Sasha, na verdade, já está morta. Mas isso não importa, não é verdade? O que importa é o que o jogo apresenta e a interpretação que seus jogadores tiram disso tudo.

O último respiro do PlayStation Vita

É até estranho pensar que em 2016 ainda tenha saído um jogo exclusivo para o Vita. Apesar de ser uma plataforma excelente para jogos, acredito que é difícil para uma desenvolvedora justificar um lançamento para um público tão pequeno. Apesar de todos os botões físicos disponíveis, a DrinkBox optou por usar como controles apenas o direcional (para navegar a Sasha pelo mundo) e a tela de toque, que controla ataques, poderes, o mapa e o menu de upgrades.

É uma escolha curiosa, já que provavelmente a maioria dos fiéis do Vita preferem jogos com controles mais tradicionais. Eu não vejo problema com isso: se era a opção que mais fazia sentido com a visão dos desenvolvedores, não há porque não usá-la. Os controles são intuitivos e, na maioria das vezes, divertidos. Perto do final do jogo, após já estar acostumado com os comandos, deslizava meu dedo pela tela tão rapidamente que o atrito fazia minha pele esquentar. Talvez eu tenha exagerado na velocidade, mas estava tão entrosado naquele combate que eu fiz o que parecia necessário.











Como a tela de toque é o mecanismo de entrada principal do jogo, imagino que o plano da DrinkBox seja lançá-lo para iOS e Android (e talvez até Wii U) após o período de exclusividade com a Sony terminar. E de fato, não vejo por que o jogo não poderia ser lançado para celulares com alguns ajustes. Ao mesmo tempo, parece que a experiência combina muito mais com uma plataforma dedicada de jogos. Afinal, jogos de celular são sempre associados a certos estigmas, como serem gratuitos ou funcionarem na base de sessões curtíssimas de jogo. O combate de Severed pode ser jogado de forma pontual dessa forma, mas eventualmente adquire uma profundidade muito além da geralmente vista em plataformas mobile. Além disso, para explorar o mundo do jogo é necessário investimento suficiente da parte do jogador — o mapa é um labirinto, afinal. Talvez seja eu ficando velho, mas parece que eu simplesmente não jogaria Severed com tanta empolgação no meu iPhone como joguei no meu Vita.

Obviamente eu tenho um ponto fraco para metroidvanias e, apesar de inicialmente não parecer, o mapa de Severed tem as características para o jogo se incluir nessa categoria (pense num metroidvania com o mapa visto de cima). Após terminar cada uma das três regiões, eu tinha vontade de revisitar as anteriores para poder explorar mais delas com meus novos poderes. Apesar do mundo ser relativamente vazio após eliminar quase todas as criaturas, resolver um novo puzzle sempre fazia valer a pena. Uma opção de fast travel teria sido bem-vinda, mas também foi legal ver como os mapas das regiões se entrelaçaram.

Estranhamente viciante

Apesar de estar consciente de que certos aspectos da jogabilidade estavam se tornando repetitivos, eu simplesmente não conseguia largar Severed. Eu jogava antes de dormir e de novo após acordar. O Vita não tem muitos jogos obrigatórios, mas Severed é um deles.

Prós

  • Estética e temática se combinam para transmitir uma história simples, mas comovente;
  • Gameplay começa simples mas evolui frequentemente;
  • Mundo elaborado é cheio de segredos para serem descobertos.

Contras

  • Combate fica um pouco repetitivo perto do final;
  • Uma opção de deslocamento mais rápido faz falta na hora de coletar os últimos itens.
Severed — PS Vita — Nota: 9.0
Revisão: Robson Júnior


Quando não está ocupado sendo diretor, redator, newsposter, podcaster e RP do PlayStation Blast, Renan Greca gosta de jogar videogames. Às vezes, lembra de focar em seu mestrado também.

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