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Análise: Psychedelica of the Ashen Hawk (PS Vita) é um drama medieval encantador

Visual novel otome constrói uma narrativa encantadora em torno de uma cidade medieval em que o inverno nunca acaba.

Localizado pela Aksys Games, o jogo Psychedelica of the Ashen Hawk é uma visual novel do gênero otome, fruto da parceria entre a Idea Factory e a Sting. Apesar de funcionar como uma sequência espiritual de Psychedelica of the Black Butterfly, não é necessário ter jogado o anterior para compreender os pontos relevantes da história.


Até mesmo o tom das duas histórias é, na maior parte da trama, diferente. Enquanto Black Butterfly se passava em uma mansão sobrenatural misteriosa onde os protagonistas estavam presos, Ashen Hawk é a história de uma cidade medieval onde a protagonista viveu desde a infância e com a qual ela tem uma relação afetiva forte. Isso faz tanta diferença que, mesmo com o tom trágico de ambas as histórias, o título consegue apresentar um certo conforto cotidiano que não funcionava tão bem no primeiro jogo.

O mundo do game é encantador, vivo, cheio de personagens. Até a movimentação dos personagens pela tela é bastante fluída para um jogo do gênero com uma interessante simulação espacial dos corpos dos personagens. Mas ao mesmo tempo, o mundo é austero, opressivo, refém de uma disputa de forças entre a família “Lobos” e “Falcões”. E isso também se traduz visualmente nos corpos dos personagens, que utilizam roupas com linhas perceptíveis de uso e volume.

Uma cidade vítima da maldição

Numa pequena cidadezinha medieval em que o inverno rigoroso nunca acaba, as duas facções “Lobos” e “Falcões” vivem em eterno conflito. Rumores dizem que a cidade é vítima da maldição de uma bruxa de olhos vermelhos. As pessoas temem e odeiam a bruxa.

Para evitar que as pessoas descubram seu “olho de bruxa” (que está normalmente dormente), a jovem protagonista Eiar foi criada desde criança como um homem de nome Jed. Adotada por Francisca, a líder do clã dos Lobos, Eiar/Jed cresceu sem elegância, mas com um coração honesto e justo, se esforçando diariamente em seu emprego de faz-tudo. 


Um dia, a jovem descobre que um importante artefato sumiu da igreja e é contratada para procurá-lo. Por um lado, para conseguir o dinheiro necessário para sair da cidade. Por outro, o padre afirma que o artefato é o símbolo de uma união entre Lobos e Falcões e fundamental para o sucesso da Mascarada, o festival anual em homenagem à chegada da primavera. Esse tipo de item simbólico é ainda mais importante devido aos eventos recentes na cidade, que tem deixado os ânimos à flor da pele entre os membros de ambos os clãs.

A história é bastante densa, cheia de elementos narrativos que se conectam para a construção de um mundo rico em detalhes e nuances. Para poder oferecer ao jogador toda essa backstory, o jogo gasta bastante tempo antes de permitir a tomada de decisões, sendo cansativo o ritmo inicial. No entanto, o esforço compensa, estabelecendo um vínculo emocional mais forte entre a protagonista e os outros personagens (não só os potenciais namorados, mas também os secundários).


No início da história, a protagonista já tinha fortes relações com quatro personagens: Francisca (sua mãe de criação), Lavan e Levi (seus irmãos de criação) e Ashen Hawk (o misterioso dono da torre em que Jed mora). Mas também estabelece novos laços com outros personagens, como o pestinha Elric, o padre Lawrence (uma pessoa de bom coração, mas muito misteriosa), o sério herdeiro dos Falcões Lugus e a herdeira dos Falcões Tee (que sempre implica com os Lobos, em especial, Levi).

E esse fortalecimento dos laços é fundamental para tornar a segunda metade da história um grande espetáculo de reviravoltas e eventos inesperados. Mas a relação com os personagens não é desenvolvida apenas na narrativa principal.

Um mosaico vivo



Além das sequências diretas de narrativa, a visual novel também possui momentos de “exploração” da cidade. Com um menu de locais relevantes, o jogo oferece um mapa onde é possível selecionar qual trecho da história ler. Além dos eventos principais, que movimentam o roteiro, há também “pequenas histórias” com os personagens de maior relevância na trama e “entrevistas” sobre tópicos diversos com a população em geral. Ao fazer as entrevistas, é possível ganhar pontos de “memória da cidade”, que podem ser gastos na taverna para desbloquear alguns eventos e ilustrações. 

Como todos esses trechos narrativos tem voz e cada personagem, por menor que seja, demonstra personalidade, senti que essa exploração pela cidade foi fundamental para construir um mosaico vivo da cidade. Mais do que um cenário de fundo, a cidade de Ashen Hawk é um personagem fundamental da trama, repleto de vozes dissonantes. E a relação da protagonista com essa cidade é adequadamente ambígua, uma mistura de amor (por ser o lugar onde cresceu e onde as pessoas que ama vivem) e medo (de ser excluída, odiada e morta por ser uma bruxa).

A partir de um determinado momento da história, a protagonista passa a também se vestir de mulher (e assumir seu nome de nascença, Eiar). Com isso, ela pode explorar a cidade de duas formas, Jed e Eiar. Cada uma tem acesso a “pequenas histórias” diferentes, mas essa é a única diferença, apesar de ser mencionado que a mudança de roupa permitiria que ela interagisse de forma diferente com a população, em especial, os Falcões.


Outro elemento fundamental para a construção da atmosfera é a trilha sonora que conta com composições de Yuji Yoshino, música de abertura cantada por Akiko Shikata e encerramento por Eiko Shimamiya. As músicas conseguem traduzir bem o clima medieval, seja em seus momentos mais leves (como eventos na taverna e a Mascarada), seja naquelas que representam o cotidiano árduo de opressão pela neve e pela neblina ou os pesadelos de Jed.

Um drama encantador



No conjunto da obra, Psychedelica of the Ashen Hawk apresenta um drama medieval encantador, com uma história bem desenvolvida, personagens interessantes e uma ambientação que permite ao jogador se perder no seu pequeno e restrito mundo medieval. Porém, o ritmo mais lento do início pode ser uma infeliz barreira para jogadores que não estão acostumados com visual novels.

Para aqueles que não se assustam com a leitura de muito texto antes de poder tomar decisões, esse jogo é certamente recomendado. Assim como em Black Butterfly, o interesse por otome games não é necessário para poder aproveitar bem a rica história de Ashen Hawk.

Prós

  • Narrativa bastante rica em detalhes;
  • Construção de uma cidade medieval viva;
  • Trilha sonora, animações e design dos personagens contribuem fortemente para a imersão.

Contras

  • Ritmo lento do início;
  • Mudança de roupa da protagonista impacta pouco a exploração da cidade.
Psychedelica of the Ashen Hawk – PS Vita – Nota: 9

Revisão: Link Beoulve

é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não esteja com um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.

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