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Análise: The Caligula Effect (PS Vita) segue tendências, mas também inova

O drama de colegiais presos em um mundo virtual e a dificuldade de lidar com a realidade. Recrute colegas para o seu time e planeje combos em suas batalhas.

Quando The Caligula Effect foi revelado, muita expectativa surgiu entre os fãs de JRPGs no PS Vita. O grande chamariz para o game foi um nome: Tadashi Satome, roteirista experiente, conhecido principalmente por ter sido a mente responsável pelas tramas de Revelations: Persona, de Persona 2: Innocent Sin e Persona 2: Eternal Punishment, os primeiros jogos da aclamada série Persona.

"[...] O Efeito Calígula é um efeito psicológico que leva alguém a desejar as coisas quanto mais tabu ou proibidas elas forem."
A obra em questão inegavelmente possui diversas semelhanças com os jogos da popular franquia da Atlus, como um grupo de jovens estudantes que investigam um mistério, um sistema de links entre o protagonista e os demais personagens e ainda uma marcante presença de música pop japonesa. Não se trata aqui de discutir se há uma possível cópia, fato é que Persona se estabeleceu como um paradigma para os RPGs japoneses modernos devido à sua popularidade e qualidade. Todavia, o nosso objetivo é analisar The Caligula Effect por seus próprios méritos.

Um mundo “ideal” 

Tudo começa no início do ano letivo em Kishimai High School. Alguns alunos foram indicados para fazerem discursos de boas vindas aos demais estudantes, dentre eles o protagonista. Na sua vez de subir ao palco, no entanto, algo não parece certo: ele tem a impressão de que essa realidade está distorcida ao ver que os rostos de alguns de seus colegas se desfiguram e se restabelecem, mais ou menos como se um bug de computador tivesse ocorrido. Então, ele se desespera e corre para fora do auditório, enquanto um pequeno grupo de estudantes o observam com um certo ar de compreensão.

Nessa sua tentativa de fuga nosso herói se depara com µ, uma idol virtual e maior estrela da música no local. A popstar conta a ele que criou aquele lugar, chamado Mobius, com a intenção de ser um mundo ideal onde não houvesse sofrimento, só que para isso ninguém poderia sair de lá. Essa conversa é interrompida por Aria, uma mini-idol, e µ vai embora. Fãs da cantora descontentes passam a persegui-los.

O protagonista e a pequenina conseguem escapar com a ajuda de Shogo Satake, que os leva para um sala onde estão aqueles mesmos estudantes que observaram a fuga de nosso herói do auditório. Eles o acolhem e trazem a verdade sobre o que está acontecendo ao seu conhecimento. Essa turma forma o Go-Home Club e o seu objetivo é escapar desse mundo virtual em que estão aprisionados.

A história se desenvolve no ritmo que o jogador desejar, podendo ser mais direto, apesar de uns diálogos longos típicos do gênero. Mas boa parte da graça está nos subplots, cada personagem tem seu trauma pessoal que o fez buscar essa realidade alternativa. Descobrir seus problemas reais e seus passados torna cada um daqueles rostos pálidos mais humano e único. Porém, grande parte deles não se dá conta de que o mundo em que vive não é a realidade. Muitos vão defender esse mundo virtual com unhas e dentes, tornando-se Digiheads (inimigos mais comuns), pois estão enfeitiçados pela música de µ e dos Ostinato Musicians (chefes de cada dungeon).

Os personagens centrais são mais bem elaborados e possuem uma boa profundidade. Muitas vezes seus dramas e dilemas nos fazem refletir. A questão de que o mundo em que estamos é uma ilusão e de que devemos escapar é algo posto desde o início. No entanto alguns diálogos que temos com eles e as opções que temos para dar de resposta nos fazem questionar se é mesmo a melhor opção empreender esforços nessa direção e ter de encarar uma realidade possivelmente bastante dura.

O jogo apresenta um sistema de social links, chamado de Casuality Link, que permite que se crie e aprofunde elos com os demais personagens através de interações com eles. É uma mecânica interessante, pois através dela, além de se desbloquearem novas habilidades, é possível recrutar mais de 500 personagens para fazer parte do seu grupo e participar dos combates. Por outro lado, é preciso conversar diversas vezes para subir os níveis de afinidade e a maior parte das falas é repetitiva, impessoal e desnecessária. Outro ponto fraco é que os personagens recrutáveis possuem poucas habilidades de combate e nem sempre têm o nível de experiência adequado para o seu time, tornando-os dispensáveis na maior parte das vezes.

Prevendo e planejando combos 

Se por um lado The Caligula Effect segue alguns padrões dos JRPGs modernos como ambiente colegial, social links e forte relação com música pop japonesa, por outro é no sistema de combates que o jogo busca a inovação. A primeira coisa interessante a se notar é que embora as batalhas ocorram por turnos, elas se dão no mesmo cenário onde acontece a exploração (como num RPG de ação) e a movimentação por ele durante o confronto é um importante elemento tático.

Ao enfrentarmos um inimigo, entra em ação o Imaginary Chain System, que nos permite prever o provável resultado das ações que escolhemos dentre habilidades de ataque, cura, suporte, defesa e esquiva. É possível executar comandos em sequência e ajustar o tempo em que cada um dos golpes e skills serão usados. Combinando-se os diferentes tipos de ataques e técnicas dos personagens do time no momento certo, criam-se grandes cadeias de combos.

A parte negativa das batalhas fica por conta da repetitividade. O único tipo de inimigo básico existente no jogo são os Digiheads, estudantes que perderam sua individualidade pela música de µ e em favor da perseverança de Mobius. Eles são muito semelhantes e há pouca variação na forma em como abordá-los em combate. Pelo menos, não somos obrigados a enfrentar todos, pois os de níveis mais baixos tendem a não iniciar um confronto e é possível passar fora da área de percepção de alguns dos oponentes de níveis mais altos.

Uma coisa incomum para jogos gênero, mas que faz parte da estrutura do game, é o fato de não existir moeda para se adquirir bens e pertences para os personagens. Não há o uso de itens consumíveis para se reparar vida ou mana, por exemplo. Os equipamentos são obtidos através de inimigos derrotados ou encontrados em Soul Remnants (objetos que fazem o papel de baús) ao se explorar as dungeons. Isso para alguns pode tirar um pouco do charme, mas traz o benefício de tornar o jogo mais objetivo.

Um título com identidade própria

O estilo gráfico revela uma obra com personalidade. A construção dos cenários é feita através de polígonos e a movimentação é tridimensional, com aplicação de filtro cell shading. Um desempenho dentro do que se espera do PS Vita. O destaque, porém, está na forma como se escolheu representar os personagens, que são desenhados no estilo anime/mangá com uma arte belíssima do designer Oguchi em seus modelos 2D durante os diálogos.

É interessante notar que a grande maioria dos habitantes de Mobius é retratada em tons pálidos e são bem parecidos. Isso traz o pensamento de que, se nesse mundo virtual a sua imagem é uma representação da aparência física que se considera ideal e não corresponde à do mundo real, logo todos eles se guiam por um padrão geral de beleza e normalidade. Ou seja, todos querem se encaixar e ser aceitos, mas isso é artificial e esconde superficialmente os seus verdadeiros eus. Um boa sacada para uma trama que trata de aceitação pessoal.

A parte sonora é um ponto alto do jogo também. A direção musical de Tsukasa Masuko traz canções no estilo J-Pop/vocaloid executadas por diversos artistas que vêm se destacando na cena atual do gênero como PoliphonicBranch e 40mP. A música nos acompanha durante todo gameplay, sendo mais tranquila durante a exploração e mais agitada durante os combates. O trabalho de atuação vocal foi feito de forma competente, contribuindo para a imersão do jogador.

The Caligula Effect é um jogo com ambições certas. A obra, em algumas partes, segue paradigmas recentes do gênero e os executa de forma razoável; em outros quesitos, o jogo busca a inovação e, embora tenha alguns tropeços, consegue se sair bem, como no Imaginary Chain System, por exemplo. A obra se confirma como uma adição muito boa à biblioteca do quase abandonado portátil da Sony. Uma futura iteração que corrija as falhas deste game pode colocar a série no rol de imperdíveis da nova escola do RPG nipônico.

Prós

  • Trama bem escrita e elaborada;
  • Personagens interessantes;
  • Grande conceito de design de personagens;
  • Sistema de combate inovador e com boas ideias.

Contras

  • Sistema de social links raso;
  • Diálogos repetitivos;
  • Inimigos repetitivos.

The Caligula Effect — PlayStation Vita — Nota: 8.0

Revisão: Vitor Tibério

é formado em Direito pela UFJF. Adora videogames desde que se entende por gente. Gosta de jogos antigos, mas está sempre ligado nos novos games e tecnologias. Pode ser encontrado no Facebook e no Twitter.

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